A ADVOCACIA NÃO É PROFISSÃO PARA COVARDES

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sexta-feira, 25 de outubro de 2013

A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DO SUB-TETO DO AUXÍLIO RECLUSÃO

A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DO SUB-TETO DO AUXÍLIO RECLUSÃO
Adilza Rita Gomes Gonçalves
Especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário
RESUMO:O presente artigo trata da (in)constitucionalidade do teto estabelecido para o benefício
previdenciário de auxílio reclusão, por ocasião da Emenda Constitucional n. 20/98. Defende-se que a
fixação desse teto afronta dispositivos constitucionais atrelados à isonomia, dentre outros. Para
alcançar tal intento, entendeu-se necessário tratar do sistema previdenciário no Brasil e no mundo
quanto aos seus aspectos históricos e o seu papel social de proteção ao trabalhador, assim como dos
princípios constitucionais relativos à Previdência Social para, ao fim, discutir a aplicação do teto
remuneratório na concessão desse benefício, alegando que esse requisito, instituído pela EC n. 20, ao
excluir do rol de beneficiários do auxílio os dependentes de segurado com renda acima do limite
legal, viola direito social fundamental do indivíduo, enquanto cláusula pétrea.
PALAVRAS-CHAVE: Seguridade Social. Previdência Social. Auxílio reclusão. Emenda
Constitucional nº 20/98. Inconstitucionalidade do teto.
ABSTRACT: The present work evaluates the constitutionality of the payment cap established for the
seclusion benefit during the Constitutional Amendment number 20/98. It is argued that the fixing of
this maximum valuer implies on an affront to constitution regarding equality, among others. Firstly,
we looked into the social security system in Brazil and around the world referring to its historical
aspects and the role of social worker protections. In the analysis it was discussed the the cap applied
on remuneration, claiming that such a requirement established by Constitutional Amendment. 20, to
exclude from the list of aid recipients of insured dependents with incomes above the legal limit,
violates fundamental social right of the individual, while entrenchment clause. The relevance of this
study is related to topicality.
KEYWORDS: Social Security. Assistance.Inmate’s family (financial) support. Constitutional
Amendment No. 20/98. Unconstitutionality of cap.
INTRODUÇÃO
A discussão sobre o teto do auxílio reclusão atravessa não somente os princípios
constitucionais, mas, também, a interpretação doutrinária, as argumentações de operadores do
direito e principalmente o direito garantido do segurado e seus dependentes.
Ao estudarmos a determinação do teto para o auxílio reclusão, verificamos que se faz
necessária uma análise quanto ao que contraria o preceito básico, de não se opor ou afrontar
os princípios constitucionais e, ainda, contrariar aquilo previamente descrito pela Lei Maior,
não garantindo a proteção àqueles que anteriormente dependiam do segurado recluso,
independentemente de seus valores de rendimento, visto que a própria legislação determina
que o referido auxílio é devido nos mesmos termos da pensão por morte e, nesta hipótese, não
existem elementos legais que determinem quais dependentes receberão valores e quais
deixarão de serem protegidos por esse benefício.
Em face do que dissemos, o objetivo deste artigo está em discutir a constitucionalidade
do teto estipulado para o auxílio reclusão, incluindo nessas reflexões a análise da extensão se
tal medida decorre de escolhas governamentais que pretendem explicitamente diminuir ou
excluir direitos legitimamente conquistados. O Plano de Benefícios da Previdência Social, que
prevê o elenco de benefícios e em que condições serão eles concedidos, definiu, com base na
Constituição Federal, a forma de cálculo para todos eles. Não poderia ser diferente em relação
ao auxílio reclusão, objeto deste estudo, tendo em vista que o sistema previdenciário deve se
moldar aos preceitos constitucionais. Para discutir tal temática, sentimos a necessidade de
promover um estudo sobre o papel da Seguridade no Brasil e, particularmente, da Previdência
Social, principalmente sob a ótica da Lei Maior de nosso país.
É o nosso entendimento de que o presente artigo se justifica na medida em que
pretende trazer à discussão a inconstitucionalidade do teto estabelecido para o benefício
previdenciário em comento, tendo em vista, principalmente, o alcance social dessa prestação
num momento em que alguém, segurado, tomado pelo infortúnio, se vê obrigado a deixar a
família e o seu consequente sustento.
1HISTÓRICO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL
A organização da previdência social hoje é resultado de um processo evolutivo
contínuo, Martinez (2003) nos diz que o desenvolvimento de técnicas de proteção social pode
ser dividido em doisgrandes períodos, a saber: a pré-história, dos livros sagrados (Bíblia,
Talmude e Corão) e códigos (Manu, Doze Tábuas, Hamurabi) e a história propriamente dita,
após Otto Von Bismarck (em termos mundiais) e Eloy Chaves (Brasil).
Em meados 1601, na Inglaterra, foi editada a Poor Law Actque instituía contribuição
obrigatória para um programa de assistência social, gerido pela igreja evoltado principalmente
para atender às crianças, aos idosos, aos inválidos e desempregados, como objetivo de
combater a miséria. Em 1789, a Declaração dos Direitos do Homeme do Cidadão
institucionalizou a seguridade como direito de todos (MARTINEZ, 2003).
Nesse contexto, segundoo citado autor, em 1883, na Alemanha, surge o primeiro
sistema de seguro social conhecido, desenvolvido por Otto Von Bismarck, que concedia
seguro-doença, e, posteriormente, pôde expandira proteção acidentária no ano de 1884 e o
seguro invalidez e proteção à velhice no ano de 1889.
A inclusão de normas previdenciárias nas Constituições iniciou-se em 1919 com a
Constituição de Weimar e, posteriormente, em 1947, a partir da Constituição Mexicana. Após
a crise de 1929, Franklin Roosevelt, presidente americano, concebeu e desenvolveu uma série
de programas, conhecidos por New Deal, com o objetivo derecuperar e reformar a economia
norte-americana, assistindo os prejudicados pelagrande crise (MARTINEZ, 2003).
Segundo nos orienta Alencar (2008), e conforme a Associação para Estudos dos
Problemas Econômicos e Humanos da Europa, a seguridade social norte-americana e a
seguridade social inglesa tem em comum a preocupação de promover a proteção contra o
desemprego deflagrado pela depressão econômica a partir de 1929, que deixou quatro milhões
de desempregados nos Estados Unidos em 1930, elevando-se a 12 milhões em 1933, e deixou
3 milhões de desempregados na Inglaterra em 1932.
A política de seguridade social americana surgiu como uma atividade estatal de
responsabilidade do poder central, como corolário de um plano de recuperação econômica que
erigiu as bases do governo Intervencionista ou Neoliberal.
Implantado em 1944, na Inglaterra, o plano Beveridge pretendia trazer bem-estar ao
povo da Inglaterra, segundo Martins (2006). Esse modeloinovou ao estender o sistema de
seguridade social a toda a sociedade, estabelecendo a trípliceforma de custeio, possibilitando
um equilíbrio financeiro ao sistema.
Entende-se que a política de bem estar social é um meio que um governo central,
intervindo na sociedade, garante oportunidades iguais aos seus cidadãos em situações
desiguais, tanto no aspecto social quanto no econômico e cultural. A implantação desse
modelo, pelo Estado,representa uma efetiva intervenção no domínio social, na forma de
prestação de serviços diretos à sociedade.
No início do século XX pudemos ver a marca da expansão das medidas de seguro e
proteçãosocial para outras nações, inclusive no Brasil. Entretanto, pelo que nos diz Lazzari
(2004), em países como o nossonão foi possível alcançar o mesmo nível de proteção social
que o dos continentesprecursores desses sistemas.
Vale salientar que a proteção social assumida pelo Estado, do ponto de vista da
organização federativa e das responsabilidades assumidas pelo poder central, também é
responsabilidade dos poderes locais.
Segundo nos mostra Alencar (2008), emerge, de imediato, a constatação de que a
Constituição brasileira é influenciada por dois modelos constitucionais de Estados
organizados em forma federativa: a alemã, com seu modelo bismarkiano, e a norte-americana,
com seu modelo de bem estar social.
Apenas no século XX é que o Brasil veio conhecer, efetivamente, algumas das regras
da previdência social. A primeira Constituição brasileira a tratar sobre seguridade social foi a
de 1824, quando instituiu a criação de socorros públicos, voltados à assistência médica.
Posteriormente, em 1835, houve a criação do Montepio Geral dos Servidores do Estado, que
seria a primeira entidade voltada à previdência no Brasil. Por sua vez, a Constituição Federal
de 1891 estabeleceu a aposentadoria, sem contribuição, aos servidores públicos em caso de
invalidez a serviço da Nação, Castro (2007).
1.1 Fases da Evolução
A evolução da Previdência Social passa por etapas distintas que a caracterizam e
demonstram, com o passar dos tempos, conforme Fernandes (2003), fases da proteção social,
sendo a primeira aquela que antecede a institucionalização da própria previdência,
caracterizada como o momento embrionário, em que a proteção carecia de sistematização,
posto que consistiade esparsas ações sociais.
O segundo momento histórico, ainda segundo o mesmo autor, é o de “implantação” do
sistema previdenciário social. Essa fase teve início com a entrada em vigor do Decretolegislativo
nº 4.682 (Lei Elói Chaves), de 24 de Janeiro de 1923, que, em síntese, criou a
Caixa de Aposentadoria e Pensões dos Ferroviários. O decreto deixou de englobar muitas
categorias profissionais, acarretando o surgimento de diversas caixas de pensões específicas e
distintas. No entanto, tais Caixas não estavam suprindo a demanda e tornaram-se ineficientes
para atender seus afiliados.
A Revolução de 1930, na Era Vargas, com sua política trabalhista, deparou-se com um
sistema previdenciário discriminador, que não englobava a maioria das classes trabalhadoras.
Destarte, no final de 1930, promulgou-se o Decreto nº 19.554 que suspendeu o pagamento de
todas as aposentadorias ordinárias concedidas, pondo fim à fase de implantação.
A próxima fase é a da “expansão”, cujo momento inicial foi o ano de 1931, com a
entrada em vigor do Decreto nº 20.465, que constituía uma nova população previdenciária e
englobava aqueles não atendidos no passado. Das Caixas de Pensões e Aposentadorias
surgiram os institutos, cuja finalidade era juntar um maior numero de categorias semelhantes
para melhorar as prestações. Assim, surgiram os Institutos de Aposentadoria e Pensões
Marítimos, dos Comerciários, dos Industriários, Transportes e Cargas, Ferroviários e
Empregados em Serviços Públicos Bancários (FERNANDES, 2003).
Os novos institutos, ainda segundo o autor citado, trouxeram inovações substanciais
em relação ao caráter prestativo do sistema previdenciário brasileiro, pois, em exemplo, o
Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários criou o auxílio pecuniário, devido
após 12 contribuições a partir do trigésimo dia do afastamento do trabalho, até o prazo de 1
(um) ano. O Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Comerciários, logo após, passou a cobrir
incidentes e doenças, invalidez, velhice e morte, concedendo ainda pecúlio, auxílio natalidade
e auxílio funeral.
A fase seguinte, que consistiu na uniformização, foi iniciada com o Decreto-lei nº
7.526, de 7 de Maio de 1945, Lei Orgânica dos Serviços Sociais, cujo escopo era o de
coordenar as normas jurídicas previdenciárias esparsas, bem como uniformizar preceitos e
procedimentos, unificando os órgãos previdenciários, entretanto, tal unificação se mostrou
precária e a lei orgânica foi regulamentada, ante a inércia do Poder Executivo em nomear a
comissão que se encarregaria de elaborar o plano organizador do Instituto dos Serviços
Sociais no Brasil.
Essa fase foi retomada em agosto de 1960 com a entrada em vigor da Lei nº 3.807, Lei
Orgânica da Previdência Social, que unificou as normas de direito previdenciário. A partir
desse momento, os institutos de aposentadorias e pensões passaram a agir de forma
semelhante, concedendo prestações a partir de contingências assemelhadas.
Vale salientar que, apesar de tais feitos, a fase de unificação foi precária, posto que a
gestão ainda não era unificada e sua efetivação deu-se apenas com a implementação através
do Decreto–Lei nº 72, de 21 de novembro de 1966, que uniu todos os institutos de
aposentadoria e pensões em um único instituto, levando o nome de Instituto Nacional de
Previdência Social (INPS).
1.2 O Instituto Nacional de Previdência Social
O INPS passou a gerenciar as cotas e a proteção do sistema de previdência social
brasileiro. Unificou instituindo a isonomia entre empregados e empregadores no custeio do
sistema previdenciário social. No campo de proteção ampliou consideravelmente seu alcance,
pois houve a uniformização dos benefícios e serviços, a ampliação de prestações e as
possibilidades de filiação.
A fase denominada de unificação sistematizou a proteção social brasileira, sendo o
primeiro passo para a criação de um Sistema de Seguridade Social, pois, com a criação do
Sistema Nacional de Previdência e AssistênciaSocial, as ações de saúde, de previdência e de
assistência foram também centralizadas, iniciando-se também a unificação de prestações entre
os trabalhadores rurais e urbanos, extinguindo o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural,
transferindo para o INPS o pagamento e a manutenção dos benefícios que eram de sua
competência (FERNANDES, 2003).
A evolução iniciada na fase de unificação ganhou força com a entrada em vigor da
Constituição Federal de 1988. A CF determinou a sistematização iniciada com a Lei nº
6.439/77, pois, no âmbito da norma constitucional, deu sistema amplo e pleno de proteção
social, ou seja, o sistema amplo e pleno de proteção social, o sistema de seguridade social.
Cabe salientar, contudo, que a doutrina majoritária considera como marco inicial da
Previdência Social apublicação do Decreto Legislativo n° 4.682, de 24 de janeiro de 1923,
denominadoLei Eloy Chaves, em homenagem ao seu criador, o deputado federal que
apresentou o projeto.A referida lei criou as Caixas de Aposentadoria e Pensões denominadas
CAP, nas companhias beneficiadoras de ferro, como também para os trabalhadores da
iniciativa privada, podendo-se dizer, hoje, que essa instituição seassemelha aos institutos
fechados,denominados de previdência complementar.
O sistema criado pela lei Eloy Chaves baseava-se na participação obrigatória dos
trabalhadores, assegurando a aposentadoria e pensão por morte aos dependentes dos
segurados através de contribuições dos trabalhadores e empregadores.
Balera (2006) afirma que, a partir dessa Lei, surgiram várias Caixas, em diversos
ramos de atividades econômicas e, na década de 1930, a tendência organizacional foi
modificada para categorias profissionais que posteriormente agregaram-se aos Institutos de
Aposentadorias e Pensões (IAP).
1.3 A Estrutura
A Constituição de 1934 estabeleceu a forma tripartite de custeio através
dacontribuição da União, empregadores e empregados. Em 1938, o Decreto-Lei n°288criou o
Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado (IPASE), que garantia
aposentadoria para os funcionários civis efetivos, interinos ou emcomissão, e pensão por
morte vitalícia aos filhos até 22 anos e ao cônjugesobrevivente do sexo feminino e ao
masculino se inválido ou maior de 68 anos.
Assim, complementamos que, no quediz a respeito ao sistema protetivo estruturado
pela Previdência Social, o repertório do sistema (ações de saúde, previdência e assistência
social) foi estruturado para conferir proteção hipotética a todos os cidadãos, visto que a
titularidade de direito social é conferida, nesse estágio normativo, a toda pessoa
contingenciada ou em vias de sofrer infortúnio social (ALVIN, 2004).
A Constituição de 1946 realizou um avanço significativo na organização do sistema ao
substituir a expressão “seguro social” por “previdência social”. Em 1960, a Lei n°3807,
conhecida como a Lei Orgânica da Previdência Social, criou um plano único de benefícios
através da unificação de toda legislação existente e, nesse mesmo ano, foi criado o Ministério
do Trabalho e Previdência Social; posteriormente, em 1967, o Instituto Nacional de
Previdência Social.
1.4 A Atuação da Previdência
Na Constituição brasileira, a área de atuação da previdência social segue o modelo
bismarkiano, concentrando o poder regulamentador e de gestão do regime geral da
previdência a cargo da União Federal. As áreas de atuação da saúde e da assistência social
segue o modelo de Welfair Sstate norte-americano; o poder regulamentador geral e
fiscalizador, a execução de políticas de saúde e de assistência social tambémpertence à União
Federal.
O conceito de seguridade social, segundo salienta Berbel (2005), é um dos que mais
resiste à conceituação limitadora; tal dificuldade se dá pela mutabilidade de sistemas sociais e
as diferentes perspectivas políticas e jurídicas referentes à seguridade social.
Ainda sobre essa questão, apesar de toda a influência tedesca sobre o nosso direito
privado e sobre o nosso direito social, o modelo bismarkiano adotado foi substituído pelo
modelo de bem-estar norte americano. Destaca-se, neste modelo, a inserção do principio
federativo na responsabilidade do Estado Previdência, com a direta relevância na distribuição
de competências e responsabilidades gerenciais (ALENCAR, 2008).
A Constituição de 1988, como já afirmado, positivou o sistema de seguridade social
brasileiro. Antes disso, inexistia uma Seguridade Social, pois as ações de saúde, previdência e
assistência social necessitavam de sistematização. Saliente-se, nesse aspecto, o pensamento de
Coimbra (1996) ao afirma que a nova ordem constitucional, através do artigo 194 que
inaugura a Seção I do Capítulo II(Da Seguridade Social), determina que “A Seguridade Social
compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da
sociedade, destinados a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e a assistência.”
A norma jurídica permite a apuração do significado da expressão Seguridade Social,
seja no campo político ou na esfera de direito. Na seara política, a seguridade social constitui
a proteção relativa à saúde, previdência e assistência.
Seguindo o contexto jurídico, que por característica é mais intenso, visto que incorpora
o ponto sob a perspectiva política, o meio, seu caráter de racionalidade é, portanto, material e
formal. A seguridade social deve ser entendida e conceituada como medidas em que o Estado,
agente da sociedade, procura atender as necessidades que o ser humano tem de segurança na
adversidade, de tranquilidade quanto ao dia do amanhã. Essas necessidades são necessidades
morais e de continuidade da felicidade individual (LEITE, 1996).
O benefício previdenciário significa o último sustento da individualidade e oferece a
liberdade, o bem supremo da humanidade, tornada praticável em termos reais, desperta o
interesse dos estudiosos por sua importância para a sociedade e para o indivíduo. Nas palavras
de Martinez (2003. p. 36): “A Previdência Social Pública no Brasil é, no contexto mundial,
uma das que apresenta maior amplitude no valor dos benefícios, constituindo, dessa forma, a
manutenção da tendência regressiva da distribuição de renda nacional”.
Excluindo-se os indivíduos que ingressam no mercado de trabalho com idade
avançada, situação mais frequente nas camadas de maior graduação, não se pode deixar de
reconhecer que a legislação já traz em seu âmago uma estrutura de injustiça, pelo fato de
requerer tempo de trabalho diferenciado da população, destarte, reduzindo as chances de se
aposentar nas camadas mais baixas e, ao mesmo tempo, reduzindo a permanência no gozo de
benefício.
A previdência social é o principal meio de realização da seguridade social, se nos
basearmos no fato da efetiva proteção que proporciona a seus segurados. Mediante uma série
de medidas dá proteção nas circunstâncias de maternidade, acidente de trabalho ou
enfermidade profissional, desemprego, invalidez, velhice e também a proteção em forma de
assistência médica e ajuda às famílias com filhos (MARTINEZ, 2003).
A Seguridade deve então ser entendida como técnica de proteção social, instrumento
estatal e particular derealização do indivíduo, quando presentes certas contingências nos
limites de uma oferta de prestações em dinheiro e em serviços, conforme a capacidade
contributiva da coletividade e da individualidade.
Instituição coletiva, edificada em princípio da solidariedade social, seus beneficiários
participam como contribuintes, pessoalmente considerados, ou usuários de suas prestações.
Nesse sentido, sua definição, funções, alcance e limites estão diretamente relacionados com o
regime econômico-social prevalecente e o desenvolvimento do País, cabendo destacar que os
benefícios são instrumentos de distribuição de renda nacional, um instrumento efetivo contra
as desigualdades sociais (MARTINEZ, 2003).
1.5 Obrigatoriedade de Filiação
Para a Lei Maior, a seguridade social é um conjunto integrado de ações do Poder
Público e da sociedade, destinado a assegurar a saúde, a previdência e assistência Social.
A obrigatoriedade de vinculação é requisito fundamental à socialização da
previdência, pois a facultatividade, ante a miopia pessoal, seria impedimento à proteção social
plena. Logo é indispensável, à caracterização da Previdência Social, a obrigatoriedade da
filiação, visto ser essa a única forma que a sociedade detém para realizar a proteção individual
e, por via tangencial, a proteção individual.
O financiamento tripartite também é elemento caracterizador da previdência social. A
cotização (custeio) dessa forma de previdência tem de se dar por cotas dos segurados, cotas
dos empresários e aportes da sociedade, na pessoa do Estado. A socialização previdenciária,
portanto, somente é vista quando da participação simultânea dos agentes envolvidos na
relação, isto é, beneficiário hipotético (segurado), o gerador da adversidade (empregadores) e
o ente social protegido (sociedade) (GOMES, 2009).
Como visto, a previdência social é obrigatória e tal obrigatoriedade impõe a
necessidade de delimitação da população jurídica abstrata previdenciária, fazendo-se
necessário a previsão, em norma jurídica, dos sujeitos que se filiarão ao regime
previdenciário. Portanto, na previdência social, tem de se delimitar os sujeitos jurídicos e
impor-lhes a afiliação obrigatória.
A organização da Previdência Social se caracteriza pela ampla proteção no que tange
aos riscos sociais, nisso também incluso o auxílio reclusão, do qual tratamos nesse artigo,
entretanto, para melhor definirmos o que compete ao referido auxílio, é necessário de antemão
conhecer o alcance, os objetivos e as características que definem a Previdência Social, estudo
do próximo tópico deste artigo.
2 A PREVIDÊNCIA SOCIAL NO BRASIL
Ao longo dos anos as alíquotas previdenciárias não só aumentaram, tanto do segurado
como das empresas, como foi expandida a base arrecadatória. Quanto à União, segundo
Devali (2005), mesmo que ela tenha abandonado a contribuição paritária que vigorou entre
1931 e 1966, tem aumentado sua contribuição para a cobertura das insuficiências financeiras.
Esse aumento de arrecadação tem sido um imperativo à necessidade para cobrir os
benefícios previdenciários e assistenciais crescentes, quando uma grande camada da
população não contribui ou contribui de forma insuficiente para tal.
Quando foram instituídas as Caixas de Aposentadorias e Pensões, a contribuição era de
3% para os associados e de 1% para as empresas que, posteriormente, em 1926, passou para
1,5% sobre a renda bruta. Na prática, era também 3%, porque sua contribuição não podia ser
menor que a dos segurados. Os usuários dos bens e serviços das empresas pagavam 1% sobre
o faturamento, contribuição essa que passou para 1,5% em 1926, conforme Carvalho (2009).
A vinculação do sujeito jurídico ao sistema de previdência social pode se dar de forma
direta ou indireta. Essa espécie de filiação, diferentemente da outra, pode advir de uma
situação jurídica ou de uma relação jurídica. Logo, a consequência das normas de filiação
instauram relações e situações jurídicas.
2.1Formas de filiação
A filiação é gênero que comporta várias espécies. A adjetivação é a forma de
caracterizar a natureza jurídica da filiação, pois evidencia uma espécie frente à outra.
2.1.1 Filiação Obrigatória
A expressão “obrigatório” quer dizer que a filiação não advém de ato jurídico
voluntário, mas de imposição legal. Nessa forma de filiação, o sistema previdenciário
discrimina os sujeitos hipotéticos através de suposições jurídicas, obrigando-os a manter
vínculo de filiação com o sistema. Nesse sentido, Ibrahim (2011) mostra a manifestação de
vontade como sendo irrelevanteà constituição dessa forma de filiação, pois a consequência é
eminentemente normativa. O signo “obrigatório” é usado para qualificar a filiação advinda da
imposição normativa, pois essa forma de filiação decorre automaticamente do exercício de
atividade remunerada abrangida pelo Regime Geral de Previdência Social.
A filiação neste caso, é automática, nasce ao mesmo tempo do trabalho, sem
necessidade de ser declarada, sendo providência do obreiro, perpetrando ou não o início do
labor.
2.1.2 Filiação Facultativa
A filiação facultativa, diferentemente da obrigatória, nasce de ato jurídico voluntário.
Saliente-se quea constituição desse status não decorre única e exclusivamente do fato gerador
filiatório, mas da cumulação desse fato com o exercício (vontade) do direito subjetivo
conferido. É por isso que o artigo 13 da lei nº 8.213/91 condiciona a filiação facultativa ao
pagamento da contribuição social (ato de vontade). A manifestação do direito subjetivo à
filiação é o adimplemento da obrigação de cotização, conforme Berbel (2005).
A pessoa física que tem capacidade para o trabalho, mas não trabalha, tem direito
subjetivo à filiação, sendo que a efetivação do objeto está ligada ao adimplemento da
cotização. É espécie de contrato funcional, a qual não é vista na forma obrigatória de filiação.
2.2 Inscrição
Ato jurídico administrativo de formalização da filiação direta e indireta. É ato jurídico
declaratório que visa à constituição formal de situação jurídica e não gera direitos ou deveres,
pois, quanto aos direitos declarados, estespreexistem à inscrição, podendo ser exercidos
mesmo que ela não tenha sido feita anteriormente. A natureza declaratória desvincula a
inscrição do aspecto temporal. A formalização da filiação, destarte, não há de
ser,necessariamente,feita em momento isonômico à filiação, admitindo-se a inscrição, no
ordenamento jurídico brasileiro, após óbito do sujeito da filiação. A lei nº 8.213/91 remete ao
regulamento a forma de processamento da inscrição que, em síntese, dá-se através da
comprovação do fato gerador da filiação, segundoCoimbra (1996).
A validade da inscrição está vinculada à permanência do fato descrito. A alteração da
filiação enseja, por via da lógica, o cancelamento ou alteração da inscrição. Isto se dá porque
a inscrição apenas declara formalmente a filiação e, inexistindo esta, aquela, por via da lógica,
também inexistirá. Esta situação pode ser melhor compreendida pela análise da filiação da
companheira. Esta consequência jurídica, como visto, encontra-se vinculada à ocorrência da
situação jurídica de manter união estável com segurado; rompido o vinculo civil, enseja a
interrupção da norma de filiação e, por conseguinte, cancelamento da inscrição.
Numa outra situação, caso haja a transformação da união estável em matrimônio, ao
invés de segregação das partes, a inscrição não será cancelada, mas alterada, pois a situação
jurídica que ensejava incidência alterou-se. A inscrição pode ser vista como uma formalização
da situação jurídica que enseja a incidência da norma jurídica.
2.3 Carência
O momento da ocorrência do fato jurídico gerador da proteção previdenciária é
relevante à constatação da concreta incidência normativa. A norma jurídica previdenciária
condiciona a incidência e, portanto, a consequente satisfação de um antecedente lógico. A
incidência somente ocorre em relação aos atos jurídicos ocorridos posteriormente à satisfação
do antecedente de incidência.
No direito previdenciário brasileiro, o antecedente normativo de incidência é
denominado de carência. As prestações previdenciárias, salvo exceções exauridas na norma
jurídica, podem ser deferidas somente após a satisfação da carência, pois fatos jurídicos
ocorridos anteriormente ao cumprimento desse pressuposto não enseja a consideração
jurídica.
Para definir o conceito de carência, buscamos, inicialmente, aquilo que nos diz Coimbra
(1996, p. 196): “Carência é o lapso temporal de vinculação ao sistema social, ou seja, tempo
de filiação”. Equivocada, porém, é essa análise do autor, visto que a conceituação de carência
pressupõe ligação, ao passo que a norma jurídica determina que “período de carência” é o
numero mínimo de contribuições indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício,
destarte, carência seria o lapso de tempo durante o qual o segurado contribui, mas, não tem
direito, ou seja, carece do benefício.
A cumulação desses elementos impossibilita a compreensão do conceito de carência.
Para configurar carência, há de ter sido vertida contribuição em momento em que a filiação
era concreta. A cotização em momento ausente à filiação, por conseguinte, não é carência,
ante a descaracterização na ligação necessária à configuração do termo, de acordo com
Alencar (2008).
Vale salientar que, diferentemente da filiação, não pressupõe somente a ocorrência do
fato jurídico que originou a filiação, mas a cumulação desse fato com o adimplemento da
obrigação, prendendo, assim, em um mesmo prisma, aspectos de filiação e custeio.
2.4 Critério material
A concessão está condicionada à ocorrência da contingência social, ou seja, fato que
possa levar o sujeito protegido à situação de necessidade social. Essa contingência mantém
conexão com a capacidade de mantença, pois a ausência desta, pela presunção normativa,
conduz o sujeito ao status de miserabilidade.
O critério material pode ser denominado da hipótese de incidência, pois nele se
encontram os elementos centrais do suposto normativo. Desta forma, há de se concluir que o
critério material de incidência das normas (filiação, proteção, manutenção e cotização) sempre
guardará liame com o fenômeno do trabalho.
2.5 Incapacidade de trabalho
A indisponibilidade temporária ou definitiva para o trabalho gera impossibilidade de
sustento de forma digna, visto que cessaram os recursos financeiros. A receita recebida
através do trabalho para o sustento digno individual e familiar fica comprometida, visto que o
fato gerador é o trabalho provocando situação que caracteriza proteção social. A incapacidade
de outro gênero que não seja o laboral, não gera proteção como nos mostra Leite (1996, p.
198):
A incapacidade laboral que se trata aqui, nada tem a ver com os problemas
de incapacidade jurídica, capacidade de trabalhar e proibições em matéria de
contrato de trabalho, mas sim, a perda da capacidade de trabalho, pressupõe
a existência de capacidade e posterior perda.
Inúmeras são as possibilidades de situações sociais de perda de capacidade de trabalho,
nem todas previstas nas normas jurídicas. Através do princípio de seletividade, o legislador
constitucional escolheu as geradoras de proteção dividindo-as em dois grupos: comprovadas e
presumidas.
As contingências comprovadas se confundem com o resultado, ou seja, com a
incapacidade para o trabalho. O elemento a ser comprovado é o próprio resultado, sendo
irrelevante a sua origem. Doenças, acidentes de qualquer natureza e invalidez são critérios
materiais da norma jurídica de proteção.
O fator que determina a delimitação do fato gerador da incapacidade para o trabalho não
implica somente na compreensão física da situação, pois fatores como o meio social podem
influenciar o critério material.
As mesmas situações podem gerar resultados diferentes. Diante de aspectos físicos, uma
mesma lesão sofrida por duas pessoas pode gerar incapacidade em uma e nenhum prejuízo em
outra; a questão gerada é quanto à possibilidade real de o trabalhador exercer sua atividade.
2.6 Serviços
Os serviços são prestações previdenciárias cuja natureza jurídica assemelha-se à
obrigação de “fazer”. Tem como desígnio a reparação da cota ou esclarecimento jurídico no
âmbito previdenciário. Este serviço opera através do serviço social cujo escopo é a orientação
dos sujeitos ativos hipotéticos dos seus direitos sociais, bem como dos meios de exercê-lo. O
serviço social é um órgão responsável pelo adimplemento das prestações previdenciárias de
serviços. Confunde-se, na órbita normativa brasileira, com o órgão previdenciário responsável
pelo adimplemento das prestações de benefícios, visto que o sujeito passivo instrumental de
todas as prestações previdenciárias é o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS (BERBEL,
2005).
A efetivação da prestação de serviços não está condicionada à existência de recursos
financeiros, pois tais recursos são presumidos, bastando, ao deferimento da prestação, a
comprovação do fato gerador, ou seja, a incapacidade laboral comprovada, temporária ou
indeterminada.
2.7 As Prestações
Dentre as prestações expressas no art. 18 da Lei 8.213/91, incluindo-se aquelas em
razão de eventos como acidente de trabalho, é possível observar, por um lado, uma certa
incompletude em não nomear todos os pagamentos em dinheiro disciplinados no plano de
prestações do RGPS, bem como em definir, por outro lado, em outras linhas, as condições
efetivas de pagamentos dos referidos benefícios.
A alimentaridade da prestação previdenciária, aparentemente um obstáculo, conhece
limites no tocante à pensão por morte e auxílio reclusão, conforme vemos nos comentários de
Martinez (2003). De um lado, o legislador admite a mulher separada sem pensão alimentícia
presumir-se autossustentável e, em consequência, não lhe confere o benefício; de outro, nas
circunstancias comuns da vida regular, faculta-lhe requerer pensão por morte tardiamente, só
determinando a prescrição de mensalidades não recebidas após cinco anos.
Cada prestação social, securitária, previdenciária ou assistencial oferece sua regra, não
subtraindo, do observador, conclusões acerca de aplicação e existência de direitos ou
benefícios.
2.8 Benefícios
Os benefícios são semelhantes aos serviços e seu objetivo é o saneamento da
necessidade que se tipifica pelo fato gerador da prestação. Constitui-se na obrigação como
resultado da contingência, supressão concreta ou presumida. Neves (1996, p. 530-531), nos
fala sobre a normatização desses benefícios:
O ordenamento jurídico brasileiro prevê onze espécies de benefícios
previdenciários. As aposentadorias por invalidez, idade, tempo de
contribuição e especial, bem como o salário-família, o auxílio acidente, a
pensão por morte e o auxílio reclusão encontram-se normatizados no âmbito
da Lei nº 8.213/91. O seguro desemprego, por força do § 1º do artigo 9º do
mesmo diploma legal, está normatizado pela Lei nº 7.998/90.
As aposentadorias, bem como o restante dos benefícios, são substituidores dos
rendimentos percebidos por aquele que sofre a eventualidade, pois importa a cessação destes,
para a ocorrência dos benefícios, enquanto o salário-família e o auxílio acidente,
respectivamente, são prestações de natureza suplementar e indenizatória, visto que a
contingência social não gera indigência social total.
2.9 Valor do benefício
Para definir o valor do benefício podemos nos acompanhar do pensamento de Berbel
(2005, p. 230):
O benefício, diferentemente do serviço, é a prestação de “dar”. O objeto da
obrigação é definido, pois, necessariamente, tem de consistir em atribuição
patrimonial de valor (dinheiro). Os benefícios se apresentam, destarte, num
certo quantum, que representa ou pode representar a taxa de substituição
relativamente às remunerações de referência.
O valor do benefício traduz o resultado indireto da necessidade, pois revela a perda
patrimonial gerada pela ocorrência do fato. A avaliação do valor não se dá por estimativa, mas
através de formas objetivas legalmente previstas. Válido é acrescentarmos, a respeito da
forma de se quantificar o valor os benefícios, que são três as formas de se verificar o quantum
dos benefícios. A primeira forma é a taxação legal, em que a norma jurídica, previamente, por
um valor fixo ou padrão, fixa o valor da prestação, que em regra é o valor da remuneração
mínima nacional. As prestações aferidas por esse meio são estritamente convencionais. A
segunda espécie de aferição é a que impõe indexação dos montantes a outras prestações. O
valor, nesta forma, é apurado com base no valor de outra prestação cujo objeto é a proteção. A
terceira forma é a matemática, visto consistir em regra de cálculo que, na maioria das vezes,
pugna pela incidência de certa percentagem sobre remuneração média de determinado
período, conforme Neves (1996).
O direito brasileiro utiliza-se das três técnicas de apuração de valor, sendo, entretanto, a
última utilizada com mais frequência. A primeira técnica, em exemplo, é utilizada na
apuração do valor do benefício de salário-família e de aposentadoria por idade, em regra de
transição, de trabalhador rural. A apuração pela indexação é utilizada no salário maternidade
que consiste numa renda mensal igual à sua remuneração integral. A última técnica é utilizada
na maioria das aposentadorias e auxílios, consistindo em multiplicação de alíquota sobre a
base de cálculo.
2.10 Alíquota
A alíquota constitui elemento auxiliar na aferição do valor do benefício. É componente
que visa seccionar o outro fator da equação matemática, bem como a base de cálculo, sendo
quantificável e seu valor vincula-se a fatores ligados à cota geradora da prestação.
Quando se trata de incapacidade laboral comprovada, no contexto jurídico, o valor
mantém relação com a temporalidade da invalidez, sendo noventa por cento quando precária e
cem por cento quando for por tempo indeterminado.
2.11 Base de Cálculo
A finalidade do aspecto objetivo da norma jurídica é preestabelecer proporções do fim
ao fato jurídico. A base de cálculo é fator de grande relevância nessa proporção, se atentarmos
que, diversamente da alíquota, esta se relaciona com o fator subjetivo ligado ao discernimento
material.
A necessidade social gerada pelo fato é o elemento que origina a proteção. Portanto,
uma existe em função da outra, na circunstância de sua reparação, comprovada ou presumida,
assim, a base de cálculo é o elemento paralelo da necessidade, sendo responsável pelo seu
dimensionamento.
A tradição legislativa sempre teve o propósito de vincular o regulamento do auxílio
reclusão ao benefício de pensão por morte, de cujas regras se amparava. Isso foi mantido pela
Lei n. 8.213/91, que outorgou ao auxílio reclusão um único artigo (art. 80).
Como dito, pela redação do artigo 80 da Lei de Benefícios, a fórmula de cálculo do
auxílio reclusão deveria ser semelhante àquela da pensão por morte. Assim, ao auxílio
reclusão aplicar-se-ia a regra da pensão por morte, isto é, cem por cento do valor da
aposentadoria que o segurado recebia ou daquela a que teria direito se estivesse aposentado
por invalidez na data de seu falecimento.
A Emenda Constitucional nº 20/98 modificou o art. 201, IV, da Constituição da
República, incluindo o requisito de baixa renda para a concessão do auxílio reclusão,
pressuposto inexistente na ordem constitucional em vigor até então. Dispôs a Emenda que o
auxílio reclusão, assim como o salário-família, somente seria devido aos dependentes dos
segurados de baixa renda.
Importa verificar que tais direitos são assegurados a partir do cumprimento de
exigências regulamentadas que visam estabelecer parâmetros assistenciais com o intuito de
socorrer os necessitados, não deixando de fora nenhuma categoria, entretanto, vale salientar,
quanto aos parâmetros estabelecidos, não se pode esquecer as reais necessidades dos
beneficiários, limitando a valores determinados, como no caso do auxílio reclusão tratados
nesse artigo, pois, no evento em pauta, esquecem-se os legisladores que o requisito, além de
ferir um princípio constitucional, deixa de socorrer os dependentes do recluso, que antes geria
e mantinha o lar, independente do valor que este percebia quando lhe era possível trabalhar.
3 A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DO TETO DO AUXÍLIO RECLUSÃO
Com o intento de proporcionar apoio financeiro que se encontra diminuído em razão do
encarceramento, o auxílio reclusão é o benefício previdenciário devido aos dependentes de
segurado detento. O cuidado, de intuito igualitário coberto pelo benefício, decorre da
ausência da renda familiar resultado da prisão de segurado do Regime Geral de Previdência
Social (RGPS). O conceito é não permitir que a família do preso fique desassistida, tendo em
vista a privação de renda oriunda do trabalho do segurado em função do encarceramento.
O Brasil é o único país em que existe tal benefício, instituído pioneiramente pelo
extinto Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos (IAPM), seguindo-se, após breve
lapso de tempo, pelo também extinto Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários
(IAPB), e generalizado pela Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS (Lei nº 3.807, de 26
de agosto de 1960), nos dizeres de Martinez (2003).
A presente redação da Constituição da República de 1988, conforme o do inc. I do art.
201, prevê o atendimento pela Previdência Social da cobertura dos eventos de doença,
invalidez, morte e idade avançada, não constando expressamente o atendimento à cobertura
do evento resultante da reclusão, como na redação originária da Carta. Contudo, a
possibilidade de concessão de auxílio reclusão está prevista no inc. IV do mesmo artigo, do
que se infere que as consequências da prisão do segurado continuam caracterizando risco
social protegido pelo ordenamento jurídico.
A primeira Constituição a tratar do auxílio reclusão foi a Constituição da República de
1988 e sua redação original continha em seus artigos a proteção à família do segurado recluso.
A Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991, foi editada sob o escudo desta Carta, a qual, ao dispor
sobre os planos de benefícios da previdência social, fez expressa referência ao auxílio reclusão,
nestes termos, conforme o art. 80:
Auxílio reclusão será devido, nas mesmas condições da pensão por morte
aos dependentes do segurado recolhido à prisão, que não receber
remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio doença, de
aposentadoria ou de abono de permanência em serviço.
Parágrafo único. O requerimento do auxílio reclusão deverá ser instruído
com certidão do efetivo recolhimento à prisão, sendo obrigatória, para a
manutenção do benefício, a apresentação de declaração de permanência na
condição de presidiário.
Como já mencionado anteriormente, o presente benefício deveria seguir as mesmas
orientações e condições da Pensão por Morte, entretanto, contrariando o disposto na Lei que
rege os benefícios, encontra limitações que impedem que as famílias cujo salário do segurado
ultrapasse minimamente o valor estipulado, já não façam jus ao benefício.
3.1 Obtenção do Benefício do Auxílio Reclusão
No que se refere à obtenção, o requisito de baixa renda do segurado é uma
inovação prevista na Emenda Constitucional (EC) nº 20/98. Primeiramente, tem-se que o
legislador não foi claro ao limitar a concessão do auxílio reclusão. Ora, quer parecerevidente
estar-se diante de uma restrição inconstitucional, face não apenas em relaçãoaos princípios já
conhecidos (proteção à família, diminuição dos efeitos reflexos da pena, erradicação da
pobreza e solidariedade social), mas também ao princípio da isonomia. Nisso, podemos
verificar que se criou distinção entre segurados da previdência, sem explicitar os fundamentos
para tal procedimento. Note-se que, para a família do recluso, é indiferente a renda familiar
anterior ao recolhimento do segurado à prisão. Não importa quanto este recebesse a título de
salário, certo é que, uma vez preso, deixará de receber qualquer quantia, como nos aponta
Alencar (2008).
Não há, portanto, fundamento para a diferenciação realizada pelo legislador. Além
disso, se tal distinção pudesse ser admitida, teria de ser fundada em dados objetivos. A
Emenda nº 20/98 traz um valor aleatório, fixado de forma arbitrária. Por estes motivos, tem-se
que o requisito “baixa renda”, por discriminatório, e em razão de seu descompasso com a
Constituição Federal, não deveria ser levado em conta.
A referida alteração constitucional, introduzida pela EC nº 20, de 15 de dezembro de
1998, trouxe significativa mudança nas regras de concessão do auxílio reclusão, limitando-a
aos dependentes dos segurados de baixa renda, como se vê no Art. 201 (já citado). Vale
apreciar aquilo que Bollmann (2009, p. 89) leva em consideração como exemplo da confusão
de interpretação que causou nos operadores do direito:
Ao analisar aos artigos em comento, é bastante claro que o termo “baixa
renda” se refere aos dependentes do segurado, e não a ele próprio. Aliás, é
lógico que assim seja, mesmo porque, como já antes asseverado, a proteção é
destinada à família do preso, e não a ele próprio.
Como se vê, a própria limitação do benefício levou a enganos aos doutrinadores e
operadores do direito. Este desacerto ainda faz parte da defesa de muitos doutrinadores e
operadores que insistem em contrariar o dispositivo em sua forma, afirmando tratar-se da
renda familiar e não dos vencimentos do segurado.
3.2 Requisitos para a Concessão do Auxílio Reclusão
Como primeiro requisito para a concessão do auxílio reclusão, verifica-se de modo
óbvio, a prisão, percebida de forma ampla, qualquer restrição à liberdade imposta pelo Estado.
Pode ser de natureza penal, civil ou administrativa, cautelar ou definitiva e que atenda à
denominação atribuída ao benefício; não é só a reclusão, em sentido estrito, que dá direito ao
recebimento; também a detenção, como espécie de pena privativa de liberdade prevista no
Código Penal, poderá dar causa à sua concessão. Mesmo a prisão simples, tipo de sanção
prevista na Lei de Contravenções Penais, pode ensejar o pagamento, desde que cumprida em
regime semiaberto.
Outro requisito para a concessão do benefício foi acrescentado pela já citada Emenda
n. 20/98, limitando a prestação aos dependentes de segurados com renda não superior ao teto
determinado. Ficou claro que tal medida objetivou reduzir o número de beneficiários do
auxílio reclusão, restringindo o pagamento às famílias que mais careciam do benefício, assim
como o fez em relação ao salário-família, incluindo o elemento “baixa renda”, inexistente até
a reforma constitucional.
No tocante às questões de regime aberto e semiaberto, Martinez (2003) esclarece que,
nesse aspecto, o Decreto n. 4.729/03 incluiu o § 5º no Regulamento da Previdência Social
(Decreto n. 3.048/99), limitando o pagamento do benefício ao período em que o segurado
estiver preso sob o regime fechado ou semiaberto, ou seja, excluiu a possibilidade de
recebimento pelos dependentes do segurado preso em regime aberto. Partiu da premissa de
que, no regime aberto, a regra é o trabalho externo do preso, permanecendo recolhido somente
no período noturno e nos dias de folga. Desse modo, sendo-lhe permitido o trabalho
remunerado, até mesmo como forma de ressocialização, inexiste o risco social a ser coberto
pelo benefício.
Quanto ao segurado preso em regime fechado ou semiaberto, ainda que permitido o
exercício de atividade remunerada, e devido o recolhimento das contribuições previdenciárias
respectivas, seus dependentes não perdem o direito ao auxílio reclusão. Com efeito, a
prestação de serviço pelo preso, dentro ou fora da unidade penal, torna-o segurado obrigatório
da previdência social na condição de contribuinte individual. No que tange às peculiaridades
relativas ao auxílio reclusão podemos observar a lição de Martinez (2003, p. 278):
Todavia o segurado recluso não terá direito aos benefícios de auxílio doença
e de aposentadoria durante a percepção, pelos dependentes, do auxílio
reclusão, permitida a opção, desde que manifestada, também, pelos
dependentes, ao benefício mais vantajoso. O mesmo ocorre com o
presidiário que for filiado ao Regime Geral de Previdência Socialna
condição de contribuinte facultativo, como permite Regulamento, desde que
não exerça atividade remunerada nem esteja vinculado a qualquer regime de
previdência social.
Do mesmo modo, tendo em vista que o intento do benefício é o amparo aos dependentes
do segurado que se encontra em condição de recolhimento ao cárcere, em caso de fuga do
preso, o pagamento do benefício é suspenso, até que este seja recapturado. Se na data da
recaptura o instituidor do benefício não possuir mais a qualidade de segurado, por não ter
exercido atividade laboral no período em que esteve foragido e tiver ultrapassado o período de
graça, por exemplo, seus dependentes não terão mais direito ao auxílio reclusão.
Além disso, não só para a concessão do benefício, mas também para a manutenção do
seu pagamento, é obrigatória a comprovação de que o segurado se encontra efetivamente
recolhido na condição de presidiário, demonstrando, mais uma vez, que a segregação é
condição primária para se ter direito ao auxílio reclusão. Como consequência lógica disso, é
vedada a concessão do auxílio reclusão após a soltura do segurado, o que não impede que os
dependentes postulem, após o livramento, ou mesmo a fuga, o pagamento das prestações
vencidas durante o encarceramento.
Assim, para ocasionar o pagamento do auxílio reclusão, o indivíduo preso deve ostentar
a qualidade de segurado, obrigatório ou facultativo, da previdência social, no momento da
prisão. Caso venha a se filiar ao regime durante o período de encarceramento, seus
dependentes não terão direito ao benefício, uma vez que as condições para a concessão
deverão ser preenchidas no momento do recolhimento ao cárcere. Caso contrário, ficaria
frustrada a ideia de seguro social, possibilitando a ocorrência de fraudes contra o regime.
Vale destacar que como principio básico da previdência social está definida a proteção e
os meios indispensáveis de manutenção daqueles que dependiam economicamente dos
beneficiários, sem que estejam destacados entre estes a sua renda familiar, visto que a falta de
meios para provir, coloca aqueles que dependem economicamente dos segurados, em situação
social de proteção. Nesse sentido, temos aquilo que Alencar (2008) discute sobre dependência
ao afirmar que a ordem é excludente, ou seja, a existência de dependente incluído em uma
classe anterior exclui do direito às prestações os das classes seguintes. Já a existência de mais
de um dependente em uma mesma classe acarreta o fracionamento da prestação. Assim, se o
preso possui mulher e filho menor de vinte e um anos, por exemplo, a prestação é desdobrada;
se possui companheira e irmão inválido, somente a primeira receberá o benefício.
Nos casos em que o empregador incorrana falta de recolhimento, o direito ao benefício
não fica prejudicado. Também mantém a qualidade de segurado o indivíduo que se encontra
no chamado período de graça, quando não há obrigação do recolhimento. Assim, por
exemplo, o indivíduo solto mantém a qualidade de segurado, independentemente do
recolhimento de contribuições, até doze meses após o livramento. Nesse prazo, o egresso
conserva todos os seus direitos perante a previdência social.
Por último, temos o requisito para a concessão do benefício, que foi acrescentado pela
EC n. 20/98, limitandoa prestação aos dependentes de segurados de baixa renda. Parece
evidente que o objetivo foi o de reduzir o número de beneficiários do auxílio reclusão,
restringindo os pagamentos às famílias carentes, assim como o fez em relação ao salário
família, incluindo o elemento “baixa renda”, inexistente até a reforma constitucional, como
antes afirmado. De toda forma, este é o tema central deste estudo.
3.3 Especificidades do Auxílio Reclusão (A similaridade com a pensão por Morte)
Ao contrário do que dispôs em relação às espécies de benefícios, a Lei do Plano de
Benefícios da Previdência Social (n. 8.213/91) não previu regras específicas para o auxílio
reclusão. Anotou apenas que é devido nas mesmas condições da pensão por morte. Isso se
explica porque este benefício, ao lado da pensão, são os únicos dirigidos exclusivamente aos
dependentes (art. 18, II, da Lei). Por consequência, a tradição legislativa pátria foi a de
sempre vincular o regulamento do auxílio reclusão ao benefício de pensão por morte, de cujas
regras se socorria. Isso foi mantido pela Lei n. 8.213/91, que outorgou ao auxílio reclusão um
único artigo (art. 80).
Não há tempo mínimo de contribuição para que a família do segurado tenha direito ao
benefício, mas o trabalhadorprecisa ter qualidade de segurado, como já assinalado. Após a
concessão do benefício, os dependentes devem apresentar à Previdência Social, de três em
três meses, atestado de que o trabalhador continua preso, emitido por autoridade competente.
Esse documento pode ser a certidão de prisão preventiva, a certidão da sentença condenatória
ou o atestado de recolhimento do segurado à prisão. Para os segurados com idade entre 16 e
18 anos, serão exigidos o despacho de internação e o atestado de efetivorecolhimento a órgão
subordinado ao Juizado da Infância e da Juventude, naquilo que nos ensina Martinez (2003, p.
157):
A lei não podia ser mais clara ao exigir o recolhimento efetivo do segurado à
prisão para a concessão do auxílio, impondo ao INSS a verificação concreta
da situação de presidiário do segurado beneficiário. Essa exigência tem a sua
razão de ser no fato de que nem sempre o cumprimento de pena impede o
segurado de exercer trabalho comum remunerado, com vínculo de emprego,
sendo essa impossibilidade o fundamento do benefício.
O valor do auxílio reclusão corresponde à média dos 80% melhores salários, contando a
partir de julho de 1994 até a última remuneração, desde que a o último salário não ultrapasse
R$ 915,05, atualmente. Em caso de fuga, o pagamento é interrompido e só pode ser
restabelecido a partir da data da recaptura. Em casode falecimento do detento, o benefício é
automaticamente convertido em pensão por morte. Havendo mais de umdependente, o auxílio
é dividido entre todos, em partes iguais. Quando um dos dependentes perde o direito de
recebero benefício, é feita nova divisão entre os dependentes restantes.
Conforme assinalado anteriormente, o auxílio reclusão foi instituído pela Lei nº 3.807,
de 1960, para todos os beneficiários da previdência social. No entanto, a partir de 16 de
dezembro de 1998 – Emenda Constitucional nº 20 –, o benefício passou a ser concedido
apenas aos dependentes de segurado de baixa renda. Entendeu-se, à época, que baixa renda
significava remuneração até R$ 360,00, hoje, R$ 915,05. Neste aspecto, observamos o
pensamento de Martinez (2003, p. 176):
A seletividade do auxílio reclusão fez parte das medidas implementadas em
1998 com o intuito de resgatar o caráter contributivo da Previdência Social,
tornando-a mais justa e financeiramente sustentável, como forma de garantir
o pagamento dos benefícios às próximas gerações.
Impõe-se, porém, a análise em detalhe da referida nota. Em primeiro lugar, cabe
salientar que a remessa da aferição da baixa renda familiar ao valor do último salário de
contribuição pode não demonstrar a situação de penúria da família. Basta lembrar que o
segurado pode manter sua filiação ao regime da Previdência Social, mesmo quando
desempregado. Assim sendo, como bem tem interpretado a jurisprudência, deve ser analisada
a renda familiar quando da detenção do segurado, e não quando do percebimento de sua
última remuneração.
Em segundo lugar, o art. 84, IV, da Carta Magna determina que somente para cumprir
dispositivos legais poderá o Executivo expedir regulamentos. Daí resulta que somente por lei
é possível fazer alguma restrição aos direitos de propriedade e liberdade. O regulamento não
pode contrariar a lei, estando subordinado a ela, sob pena de ferir-se o princípio da legalidade
(art. 5.º, II e art. 37, I, ambos da CF). Nesse mesmo sentido, podemos acompanhar o
raciocínio de Alencar (2008, p. 54), quando em defesa dos preceitos de igualdade entre os
benefícios de pensão por morte e auxílio reclusão em conflito com a aplicação da regra de
delimitação de renda do referido auxílio. Lembramos que a forma de cálculo do benefício, na
ausência de norma própria para o auxílio reclusão, aplica-se a regra da pensão por morte, isto
é, cem por cento do valor da aposentadoria que o segurado recebia ou daquela a que teria
direito se estivesse aposentado por invalidez na data de seu falecimento. Portanto, é ilegal o
dispositivo do Decreto nº 3.048/99 naquilo que vai além do disposto no art. 13 da EC 20/98.
Se tal norma constitucional não dispôs acerca de serem considerados os vencimentos do
segurado recluso, não pode o regulamento fazê-lo.
O artigo 116 do RPS, mais atual que o Plano de Benefícios da Previdência Social
(PBPS), diz que o auxílio será devido nas mesmas condições da pensão por morte, aos
dependentes do segurado recolhido à prisão, desde que não receba remuneração, nem esteja
em gozo de benefícios, bem como, que seu último salário não ultrapasse o teto determinado.
Vale ressaltar que todas as regras referentes ao benefício já estão explicitadas no artigo
supracitado, não necessitando de limitações que excluam alguns segurados, fundado em seus
vencimentos até a data da reclusão quando a lei previdenciária em si já não prevê isto e o
referido limite contraria a Lei Maior em seus princípios.
3.4 O Conceito de Baixa Renda
A Emenda Constitucional nº 20/98 modificou o art. 201, IV, da Constituição da
República, incluiu, como já dito, o requisito de baixa renda para a concessão do auxílio
reclusão, hipótese inexistente na ordem constitucional até então. Dispôs a referida Emenda
que o auxílio reclusão, assim como o salário-família, somente seria devido aos dependentes
dos segurados de baixa renda. A regulamentação do dispositivo ficou a cargo do art. 13 da
EC, que determinou: Até que a lei discipline o acesso ao salário-família e auxílio reclusão
para os servidores, segurados e seus dependentes, esses benefícios serão concedidos apenas
àqueles que tenham renda bruta mensal igual ou inferior ao teto determinado, na época da
publicação da lei, R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais), que serão corrigidos pelos mesmos
índices aplicadosaos benefícios do regime geral de previdência social.
Este requisito somente pôde ser exigido de quem não estava recebendo o benefício, ou
não havia implementado as condições para tanto, antes da edição da Emenda, em respeito ao
direito adquirido. Nisso, trazemos as reflexões de Coimbra (1996) ao afirmar que, todavia, a
implementação da nova regra gerou protesto por parte dos segurados, como exemplo, um
segurado que recebesse, à época, R$ 400,00 de salário, e cuja renda fosse o único arrimo da
família, em caso de recolhimento à prisão, não proporcionaria a seus dependentes o
recebimento do auxílio previdenciário, não obstante a carência material que estes passariam a
enfrentar.
Em razão dessefato, começou-se a formar, na jurisprudência corrente, interpretação
diversa da norma constitucional, sustentando que o limite financeiro se refere à renda bruta
mensal dos dependentes, e não do segurado recluso. Isso porque a proteção social seria
dirigida àqueles, desamparados financeiramente, e não ao segurado, que se encontra ao abrigo
do Estado. Nesse passo, o art. 116 do RPS teria extrapolado sua função regulamentadora, ao
dar interpretação equivocada ao texto constitucional, visto que a Lei de Benefícios não foi
alterada nesse aspecto.
Balera (2005, p. 501), igualmente, vincula a limitação constitucional ao salário de
contribuição do segurado, e não à renda dos dependentes:
O auxílio reclusão é benefício previdenciário, previsto no art. 201, IV da
CF/1988 e regulado pela Lei nº 8.213/1991 em seu art. 80. Essa prestação
visa manter o rendimento da família dos segurados de baixa renda que foram
afastados do mercado de trabalho em virtude da prisão, evitando que a
família fique sem rendimentos para a manutenção.
Por sua vez, na esfera jurisprudencial, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça
enfrentou a matéria dando provimento a recurso especial interposto pelo Instituto Nacional do
Seguro Social (INSS) contra Acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Como
observa Martinez (2003, p. 551), no caso, embora se discutisse mais precisamente o valor da
renda bruta mensal na caracterização da baixa renda, a Corte Superior deixou claro que o
requisito de baixa rendarefere-se aos rendimentos do segurado, e não aos dos dependentes,
como se vê na aludida decisão do Superior Tribunal de Justiça, Resp.n. 766.767-SC (Internet):
Neste contexto, destaque-se que, nos termos do artigo 80 da Lei 8.213/91, o
auxílio reclusão é devido nas mesmas condições da pensão por morte aos
dependentes do segurado recolhido à prisão, desde que não receba
remuneração da empresa nem auxílio doença, aposentadoria ou abono de
permanência em serviço. Assim, a expressão “nas mesmas condições da
pensão por morte” quer significar que se aplicam as regras gerais da pensão
por morte quanto à forma de cálculo, beneficiários e cessação dos benefícios.
Em outros termos, as regras da pensão por morte são em tudo aplicáveis ao
auxílio reclusão, desde que haja compatibilidade e não exista disposição em
sentido diverso. Desta forma, devendo-se aplicar as mesmas condições da
pensão por morte, na hipótese dos autos, não é devido o auxílio reclusão ao
segurado, não podendo, portanto, ser reputado segurado de baixa renda.
Recorde-se que, à época, vigia a Portaria MPAS 5.188, de 1º/06/1999, que
definia o segurado de baixa renda aquele cuja renda fosse igual ou inferior a
R$ 376,60 (trezentos e setenta e seis reais e sessenta centavos).
Na verdade, a correção da injustiçacausada pela alteração constitucional não é
atravessada pela interpretação censurável da norma, mas pelo exame de sua
constitucionalidade material, conforme se verá mais adiante.
3.5 Inconstitucionalidade do Requisito de Baixa Renda
O poder constituinte derivado e reformador, próprio das constituições rígidas, conhece
limitações constitucionais expressas e implícitas e é passível de controle de
constitucionalidade, como nos lembra Balera (2002). Ao contrário do poder constituinte
originário, ilimitado, posto que funda uma nova ordem constitucional, o poder constituinte
derivado é subordinado àquele e possui limitações para o seu exercício. Assim, uma emenda
constitucional pode ser tida como inconstitucional caso esbarre em limitação imposta pelo
poder constituinte originário.
Em meio às limitações divulgadas está a proposta de Emenda com tendência a abolir
direitos e garantias individuais, considerados cláusulas pétreas no sistema constitucional
brasileiro (art.60, § 4º, IV). Tais direitos e garantias fundamentais estão previstos,
principalmente, no Título II da Constituição da República, abrangendo, no capítulo II, os
direitos sociais, entre os quais a previdência social (art. 6º).
Desse modo, é reconhecida a existência, na Constituição, de direito fundamental à
previdência social, como decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º,
inc. III, da CF), porquanto confere a satisfação de necessidades existenciais básicas para uma
vida com dignidade.
Por outro lado, não são apenas os direitos sociais previstos nos arts. 6º a 11 da
Constituição que devem ser considerados cláusulas pétreas, mas todos aqueles espalhados
pelo texto constitucional e que lhes dão efetividade, inclusive os previstos no art. 201 daquela
Carta. Em decorrência, a proteção social dirigida aos dependentes de segurado recolhido à
prisão é direito fundamental previsto na Constituição, a ser amparado pelo sistema
previdenciário. Como nos mostra Martinez (2003, p. 497), o direito dos presos ainda precisa
em muito se desenvolver:
O direito dos presos é matéria pouco desenvolvida no Direito Previdenciário.
Na oportunidade de disciplinar ocupação do presidiário, o art. 39 do Código
Penal diz que “o trabalho do preso será sempre remunerado, sendo-lhes
garantidos os direitos e benefícios da Previdência Social”. À evidência, o
dispositivo de 1940, trata apenas dos direitos previdenciários do reeducando
que trabalha e não dos direitos previdenciários do preso ocioso. O tema só
interessou o legislador jusprevidencialista coma Lei nº 10.666/03.
No que diz respeito ao recolhido à prisão, importa em particular definir também os
direitos dos seus dependentes, especialmente em caso de fuga, recaptura ou morte.
Nesse conjunto, a novidade trazida pela EC n. 20, ao excluir da proteção social os
dependentes de segurado cuja renda ultrapasse determinado valor, deve ser tida como
inconstitucional. A norma não é razoável ao deixar desfavorecidos os dependentes de
segurado com renda bruta superior ao limite legal, uma vez que a razão do benefício é
justamente substituir os rendimentos do segurado preso, portanto impedido de trabalhar.
Nesse sentido, existe concordamos com o pensamento de Martinez (2003, p. 499):
Seja a hipótese de família carente, seja de família abastada, o fundamento é o
mesmo: da ausência do indivíduo provedor decorre a necessidade de
substituição por prestação previdenciária, presumindo-se a necessidade dos
dependentes.
Desta forma, a alteração constitucional não foi feliz ao juntar lado a lado salário família
e auxílio reclusão, como se fossem benefícios de características comuns. Na realidade, o
primeiro tem caráter complementar à renda do segurado, podendo-se justificar a limitação do
pagamento a quem mais necessita. O segundo, entretanto, diz respeito à substituição da renda
do segurado, ausente pela prisão, cuja tradição legislativa o unia à pensão por morte.
Cabe salientar que a remessa da aferição da baixa renda familiar ao valor do último
salário de contribuição pode não demonstrar a situação de penúria da família. Basta lembrar
que o segurado pode manter sua filiação ao regime da Previdência Social, mesmo quando
desempregado. Assim sendo, como bem tem interpretado a jurisprudência, a dita aferição
deve ser analisada com a renda do recluso e não a renda familiar quando da detenção do
segurado, e não quando do percebimento de sua última remuneração. Seria impensável, nesse
aspecto, limitar opagamento de pensão aos dependentes do segurado de baixa renda,
presumindo-se que as famílias detentoras de melhor nível econômico não fossem atingidas
pelo infortúnio do óbito e, nesse mesmo sentido, privar a família do segurado detento por não
se enquadrar no valor definido.
Dessa forma, resta claro que a referida exclusão desrespeitou o objetivo da seguridade
social de universalidade da cobertura e do atendimento (art. 194, parágrafo único, I, da
Constituição da República), que garante a proteção social a todos que dela necessitem. À
hipótese não se aplica o princípio da “seletividade”, dado que não há motivo concreto que
justifique a presunção de desnecessidade dos dependentes do segurado de maior renda. Ainda
no tocante à Constituição Federal, vemos o que nos esclarece Berbel (2005) em relação ao
que está contido na Carta Magna em seu art.84, determinando que não é atribuição do
executivo expedir regulamentos, exceto em casos em que se pretende dar cumprimento a
dispositivos legais.Daí resulta que somente por lei é possível fazer alguma restrição aos
direitos de liberdade e propriedade, não podendo o regulamento contrariar a lei, mas antes, a
ela se subordinar.
Desta forma, é preciso dizer que sobre a alta renda do segurado não deriva a conclusão
lógica de que seus dependentes tenham abonada subsistência, mesmo que ausente aquele
rendimento.
Nos casos em que os dependentes não recebam renda própria, por exemplo, o
desamparo financeiro será o idêntico dos dependentes do segurado de baixa renda. Não há
justificativa, portanto, para a discriminação, o que fere o princípio da isonomia (art. 5º, I, da
Constituição da República). Assim sendo, a remuneração percebida pelo segurado antes do
recolhimento à prisão não é critério discriminador válido, pois o benefício é destinado aos
dependentes. Estes podem se encontrar na mesma condição, gerando injustiça material, em
caso concreto.
É imperioso ressaltar que o limite estabelecido para o benefício, tantas vezes referido no
presente artigo, é de natureza inconstitucional quando entra em conflito com os princípios
basilares da Carta Magna, em oposição, ao mesmo tempo, com o que está descrito e
regulamentado na Lei Previdenciária (atendimento da contingência sem parâmetros ou
limites), assim como com aquilo que impede os dependentes do segurado, com renda igual ou
superior ao limite estabelecido, receber o benefício que tem direito.
CONCLUSÃO
Este artigo objetivou discutir a constitucionalidade da limitação do teto para o auxílio
reclusão. Necessitou, para este fim, numa exposição inicial, discorrer sobre a seguridade
social, tecendo considerações sobre sua regulamentação e funcionamento em nosso país para,
ao fim, discutir propriamente a constitucionalidade do teto do auxílio.
Partindo da hipótese de que essa limitação é inconstitucional, fomos conduzidos a
inferir que a finalidade da norma seja reduzir as desigualdades sociais, e, como “nenhuma
pena passará da pessoa do condenado” (Art. 5º, XLV, da Constituição da República.), não se
justifica a limitação do rol de beneficiários do auxílio reclusão baseada na ideia de que o
Estado não deve sustentar a família do segurado recluso. Nesse aspecto, a crítica doutrinária
de que o auxílio reclusão premia a prática do ilícito, pois transfere à sociedade o ônus do
criminoso, não é válida, pois vai de encontro ao princípio da personalidade da pena, também
cláusula pétrea contida na Carta Magna.
Resta a conclusão da ilegalidade do Decreto nº 3.048/99 naquilo que vai além do
disposto no art. 13 da EC 20/98. Se tal norma constitucional não dispôs acerca de serem
considerados os vencimentos do segurado recluso, não pode o regulamento fazê-lo.
No contexto histórico, o auxílio reclusão trouxe o mesmo tratamento legal empregado
à pensão por morte, haja vista a semelhante finalidade destes benefícios previdenciários:
substituir a renda do segurado ausente, garantindo a subsistência dos seus dependentes.
Diferenciam-se pelo fato gerador, pois, enquanto no auxílio reclusão a ausência é temporária,
decorrente do recolhimento do segurado à prisão, na pensão por morte a ausência é definitiva,
visto que originada do óbito.
A Emenda Constitucional nº 20, de 15.12.1998, que trouxe a alteração e afastou o
evento reclusão da cobertura previdenciária, entretanto, manteve a previsão de pagamento de
auxílio reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda. Desta feita, adicionou um
novo requisito para a concessão do benefício: a baixa renda do segurado instituidor. O valor
limite foi estabelecido na Emenda e tem sido atualizado anualmente pelo Ministério da
Previdência Social.
O auxílio reclusão encontra respaldo nos princípios que visam à proteção a família,
individualização da pena, solidariedade social, dignidade humana e erradicação da pobreza.
Tem o objetivo de atender ao risco social da perda da fonte de renda familiar, em razão da
prisão do segurado, e tem por destinatários os dependentes do recluso.
Ao excluir do rol de beneficiários do auxílio reclusão os dependentes de segurado com
renda acima do limite legal, a Emenda Constitucional aboliu direito social tido como
fundamental do indivíduo (direito à previdência social), portanto considerado cláusula pétrea
pela Constituição.
Além disso, feriu o princípio da isonomia ao estabelecer discriminação com base em
critério impertinente à hipótese: a renda bruta do segurado, desconsiderando o papel que esta
renda, seja em que patamar estiver, quanto aos valores, não existirá aos seus dependentes,
acarretando indiscriminadamente a contingência prevista pelo legislador, que não determinava
teto para o benefício.
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